A internet e todas as coisas que ela habilita, de chats a ambientes computacionais compartilhados, está mudando para sempre a forma de trabalharmos. E o melhor ainda está para começar...
Nós passamos a maior parte de nossas vidas úteis trabalhando, como se tivéssemos nascido só para isso. Desde o advento da cidade moderna, necessidade da revolução industrial para aglomerar os trabalhadores -- naquele tempo, a mão-de-obra -- perto das fábricas, nos acostumamos a ir trabalhar no local de trabalho, onde se encontram, via de regra, as ferramentas necessárias para realizar o nosso. Ou onde alguns, mais relaxados, têm apenas um emprego e tentam encontrar todas as razões imagináveis para fugir daquilo que deveria ser feito no emprego, o trabalho.
Mas os tempos mudaram. Dos Tempos Modernos de Chaplin prá cá, muito mais gente passou a processar informação, como trabalho, ao invés de manipular objetos físicos, atividade cada vez mais primária e passível de ser realizada por máquinas, robôs que tomam – devidamente -- nosso lugar no esforço “manual”. Afinal, temos mais o que fazer: o trabalho repetitivo e impensado, pouco criativo, que exija “apenas” visão, audição, processamento básico de alguma informação (como o tráfego de automóveis e pedestres ao redor e os sinais de trânsito da rua) e a ação física de controlar alguns dispositivos, como freios, aceleradores e direções será realizado, em breve, por autômatos. Não precisaremos de humanos para dirigir automóveis, mesmo em situações extremas.
O trânsito de um lugar como São Paulo (ou Recife) não é nada trivial. Se não precisaremos dirigir e tampouco de motoristas (para táxis e ônibus, tampouco) para irmos de A pra B, e olha que isso hoje é um trabalho que requer um certo grau de sofisticação e treinamento, que trabalhos haverá, no futuro, para seres humanos? Ainda mais, que tipos de trabalho deverão ser feitos necessariamente em um local específico, onde todo mundo tenha que ir, simultaneamente, para realizar sua performance?
Poucos tipos de trabalho, no futuro, terão que ser feitos de forma síncrona (ao mesmo tempo) e localizada (no mesmo espaço), por muita gente. Estas duas condições respondem pelos engarrafamentos das megacidades: todo mundo precisa estar no local de trabalho a uma certa hora. Ainda mais, durante o dia, um monte de gente e coisas precisa se mover para certos outros pontos, onde deve estar, num dado tempo, para uma performance qualquer. De novo, sincronia e localização. Por outro lado, nosso trabalho, nos escritórios, está cada vez mais relacionado apenas ao ciclo de vida da informação. Informação que já trafega na rede e, cada vez mais, vai estar lá, em qualquer lugar, ao mesmo tempo, pois teremos banda muito larga no futuro bem próximo. Imagine 100 megabit por segundo só para você, a menos de R$ 100 por mês. Em menos de dez anos, isso vai rolar nas regiões de mais alta densidade habitacional. Até mesmo no Brasil.
Informação é gerada ou criada em algum lugar, capturada, processada, armazenada, apresentada, distribuída... e precisa ser preservada com segurança e, quando não mais necessária, terminada. Este artigo é parte do ciclo de vida de informação do G1 e a distribuição geográfica da rede e dos colunistas me torna possível fazê-lo em qualquer lugar do planeta. E assim é feito. Não preciso ir ao G1, em São Paulo, a não ser que queira fazer uma visita a meus colegas de redação. E estou em contato com todos, ou tantos quantos queira, o tempo todo, em tempo real.
O mesmo pode ser feito em qualquer “escritório”. Se o trabalho é processar informação, precisamos de um conjunto de métodos, um número de protocolos para fazer a coisa fluir e... presto, funciona, desde que as responsabilidades estejam distribuídas e cada um dos colaboradores esteja comprometido a realizar, a contento, a sua parte. Desde que as pessoas não precisem ser vigiadas, e estar sob ordens severas, para simplesmente fazer o que tem que ser feito. Esta coisa de reunir os trabalhadores no mesmo lugar e ter todo mundo debaixo de ordens e regras é, aliás, resquício de um passado distante. Um passado de “emprego” e “mão-de-obra”. Em tempos de informação, conhecimento e onde, ao invés de “quanto tempo por dia eu passo aqui” temos que pensar em “como o meu trabalho contribui para o negócio”, onde não sou medido por horas de ponto no emprego, mas por resultados atingidos, o que -- além da tradição e da incompetência gerencial -- me forçaria a continuar indo para o “local de trabalho”?
Um número cada vez maior de empresas, mundo afora, está começando a contratar gente que nem mora na mesma cidade. Primeiro, ordena-se o trabalho de tal forma que ele possa ser feito fora da empresa. Não se trata de terceirizar nada, no sentido de fazer fora do local de trabalho, com trabalhadores de outras empresas. Quem vai fazer o trabalho trabalha na empresa, mas pode morar onde quiser e, melhor, só precisa “bater o ponto” muito vez por outra, quase nunca. Parece exótico? Pois gente em mais de vinte comunidades, ao redor de d'Essay dans l'Orne, na Normandia, vive assim e está até organizada no ZeVillage, um mecanismo aberto de suporte ao tele-trabalho. A maioria dos trabalhadores, lá, é de informação propriamente dita: jornalistas, web designers, fotógrafos, ilustradores e engenheiros de software. Outro grupo, de mais de 800 pequenos negócios, está articulado através de HiddenTech, em Pioneer Valley, Mass., EUA. E são apenas dois casos inovadores dos muitos que estão pipocando em todo mundo.
O mundo, aliás, é plano. As cidades também deveriam ser, mas, com os custos de transação que hoje enfrentamos (perdi 2 horas num engarrafamento em São Paulo, quinta passada, e o papa ainda nem estava lá!), estão ficando inviáveis. Uma das formas de reequilibrar a balança – em vez de fazer mais metrôs e avenidas mais largas -- é fazer com que as pessoas trabalhem mais perto de casa. Não necessariamente em casa, pois não funciona para todo mundo e pode haver prejuízos sociais que ainda não entendemos. Mas é possível pensar em centros de tele-trabalho, públicos e privados, distribuídos pela cidade, conectados por banda muito larga, com recursos de áudio e vídeo, talvez perto das principais interconexões do tráfego de hoje, onde as empresas poderiam ter seus próprios espaços, e para onde os trabalhadores de informação e conhecimento -- que não quisessem trabalhar em casa -- poderiam ir fazer a sua parte. Confortavelmente, perto de casa, num “local de trabalho”, distante do que é, hoje, seu local de trabalho. O meu, por acaso, já está hoje na minha casa, de onde eu só saio quando é realmente necessário.
Utópico? Pode ser. Mas são as utopias que oferecem alternativas para um mundo mais equilibrado. William J. Mitchell escreveu um pequeno livro sobre o assunto (e-topia, comentado neste link) onde discute este tema. Vamos usar a informática para informatizar o caos urbano ou para mudá-lo? No primeiro caso, o mundo é o mesmo e, quando alguma coisa falhar, tudo falhará. No segundo, a vida fica mais distribuída, mais equilibrada, mais resiliente. Taí o Dia do Trabalho. Talvez fosse hora de incluirmos, nas demandas sobre qualidade do trabalho, não precisarmos mais ir trabalhar... no tal local de trabalho!
Silvio Meira
sábado, 28 de abril de 2007
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Justice - D.A.N.C.E
POLLINATE - Como pensar criativamente
Vale a pena ver... É impressionante notar a quantidade de trabalho que foi posta nesta produção. E, acima de tudo, é muito inspirador. Altamente recomendado para qualquer um desafiado a ter idéias criativas, em qualquer área de actividade.
No site da Belief tem a segunda parte....
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